sábado, 17 de julho de 2021

Pós-Covid: exercício físico é aliado na recuperação muscular

 

 O vírus vai embora, as sequelas ficam: dificuldades cardiorrespiratórias, fraqueza muscular, fadiga e cansaço têm sido sintomas frequentemente relatados pelas pessoas que passaram pela covid-19 – é a miopatia esquelética. Um estudo da USP revelou que o exercício físico – principalmente o aeróbico – pode reverter o quadro, resgatando a funcionalidade de uma enzima crucial que é afetada pelo coronavírus, a enzima conversora de angiotensina II (ECA2).


“A enzima ECA2 funciona como receptor na membrana celular e serve como porta de entrada para o SARS-CoV-2, ou seja, a proteína S [spike ou espícula] do vírus reconhece e se liga diretamente ao receptor ECA2”, explicou ao Jornal da USP a professora Edilamar Menezes de Oliveira, coordenadora do Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular do Exercício da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP.


A pesquisadora explicou que, ao entrar nas células, o vírus danifica a estrutura da ECA2, tirando sua funcionalidade no balanceamento do Sistema Renina Angiotensina (SRA), que é crucial para regular diversos processos do corpo. “O que o exercício físico faz, sobretudo a atividade aeróbica, é resgatar essa funcionalidade”, disse.


ECA2: como funciona

A enzima ECA2 converte a angiotensina II (Ang II) – associada a doenças cardiovasculares como hipertensão, arteriosclerose e infarto do miocárdio – em angiotensina 1-7 (Ang-1-7), que é "do bem": ela faz o contrário da substância perigosa no SRA, evitando efeitos nocivos ao sistema cardiovascular.


A pesquisadora explicou que a ECA2 está presente em muitos tecidos do corpo, como a musculatura esquelética – e por isso compromete vários órgãos quando alguém é infectado pelo coronavírus: afeta os músculos do tórax, podendo contribuir para a insuficiência ventilatória, além da oxigenação, devido à pneumonia. "O aumento da expressão dessa molécula (ECA2) em pacientes pode influenciar inclusive na gravidade da doença”, afirmou.

Em 2010, uma pesquisa com ratos obesos sob a orientação de Edilamar já havia mostrado que após um treinamento físico composto por cinco sessões semanais de 60 minutos durante dez semanas, os animais obtiveram melhora em vários índices: aumento da enzima ECA2 no coração, redução do peso corporal, dos triglicérides e da frequência cardíaca, além de baixar o LDL (colesterol ruim) e aumentar o HDL (colesterol bom). E os humanos também podem se beneficiar disso.


Como a enzima ajuda nosso corpo

Mas o que é, afinal, o SRA, que a ECA2 atua balanceando? É um sistema que atua na manutenção da pressão arterial correta, equilibrando a quantidade de água e sal no organismo. Se não estiver funcionando bem, essa regulação afeta o funcionamento de outros órgãos, como o coração, vasos sanguíneos, rins e músculo esquelético.


O professor Tiago Fernandes, um dos pesquisadores do Laboratório de Bioquímica, explicou ao jornal da USP que a regulação do SRA é feita por duas enzimas: ECA1 e ECA2. Elas cumprem papéis inversos de compensação. A primeira promove a vasoconstrição – o aumento da pressão arterial; e a segunda, vasodilatação – com diminuição da pressão arterial.

Então o SRA é ativado quando a pressão fica muito baixa ou quando há muita perda de líquidos: ele dá início a uma série de reações para os órgãos voltem a se estabilizar.


Camundongos deficientes de receptores ECA2 exibem disfunções cardíacas como aumento da pressão arterial, degeneração do tecido do miocárdio, disfunção endotelial (tipo de doença arterial), aumento do risco de trombose intravascular, doença renal crônica, anormalidades metabólicas e várias outras anormalidades na regulação do sistema cardiovascular. Já quando a ECA2 é ativada, há a prevenção dos efeitos nocivos nas células e organismos.

Para a professora Edilamar, ainda há muitas perguntas sem respostas sobre a infecção pelo SARS-CoV-2, mas a compreensão das funcionalidades da ECA2, que tem um grande papel no mecanismo de entrada do vírus no organismo, é fundamental para o entendimento das alterações que ocorrem no corpo por conta da doença.