quarta-feira, 16 de novembro de 2022

"Mulherzinha, mulherzinha!" por Sheilla de Carvalho


Sheila de Carvalho (52), professora do Ensino Fundamental, massoterapeuta, cabeleireira, maquiadora, manicure, costureira, desenhista, pintora, professora de Ensino Religioso, Bacharel em Direito, funcionária pública, Técnica em Transações Imobiliárias, dançarina e mãe (brevemente vovó), é um grande exemplo de vida e superação. Seu sorriso emoldurado pelo rosto angelical, é uma de suas marcas.

A partir da quarta feira 16/11, Sheilla estará quinzenalmente aqui no CULTURARTE com sua coluna, trazendo belos textos onde poderemos viajar, divagar e refletir sobre vários assuntos.

E ela começa sua participação no CULTURARTE com um tema bastante polêmico e de grande reflexão:

MULHERZINHA, MULHERZINHA!

Estávamos todos reunidos eu, com meus cinco ou seis anos de idade, mais um grupo de crianças que moravam na minha rua. Brincávamos de "garrafão", uma brincadeira que consistia em desenhar uma grande garrafa no chão e permanecer dentro dele. Corríamos livres, sem nos preocupar com o preço do litro de leite ou se teríamos comida no almoço de nossas casas. Éramos crianças, e crianças não se preocupam com essas coisas (será?).

Em meio àquela correria desenfreada, um amiguinho, o Marcinho, cai e se machuca. O joelho começa a sangrar, os olhos do Marcinho se enchem de lágrimas, ele cai num pranto de doer a alma e de emocionar meu delicado coração de menina.



Corremos, eu e outros amiguinhos, para acudi-lo. O Marcinho chorava, chorava muito. Em meio ao pranto, pequenas vozes amorosas tentavam acalmá-lo com palavras carinhosas. Ouço uma voz de menino, que soa de forma dolorosa em meus ouvidos; "mulherzinha, mulherzinha!", gritava ele. 

Minha atenção se desviou do Marcinho e foi para onde tinha partido o "xingamento pejorativo". Em questão de segundos, outras vozes infantis se uniram em um coro, que parecia o da torcida do Flamengo em final de campeonato: "Mulherzinha, mulherzinha!", eles gritavam. Puxei o Marcinho de encontro ao meu peito, tampei seu ouvido com minha mão pequenina e o envolvi num abraço. Eu chorei. choramos juntos. 

Agora, já adulta, ainda me vem na memória aquela cena. Mas, afinal, o que é ser "mulherzinha"?

Sou mulherzinha quando um tapa ou um soco é desferido em meu rosto pelo meu companheiro e eu choro movida pela dor e pela decepção? 

Ou será que é virar as costas e ir embora quando, com meus cabelos ao vento e andar rebolativo, vou pelas ruas e um idiota qualquer me chama de "seu viado", "sua bicha" e eu simplesmente dou de ombros, mesmo com uma dor alucinante no coração? 

Ser mulherzinha é não revidar a ofensa? É encher a cara de bebida, aos prantos, porque a namorada foi embora? 

Sou mulherzinha porque sofro e me recolho por ter perdido meu grande amor? 

É me encolher no canto da cozinha com os olhos marejados quando minha patroa me chama de "neguinha" e eu me calo para não ser mandada embora, porque tenho meus quatro filhos para sustentar me esperando dentro de casa? 

Sou mulherzinha quando decido me assumir homem, tendo nascido uma menina, e ainda assim ter que sofrer com dores de cólica todos os meses por menstruar? 

Ou será que sou uma mulherzinha por chorar ao saber que uma criança foi violentada dentro de sua própria casa, sem que eu tenha poder para fazer nada? Me diz, sou mulherzinha?

Acho que somos todos "Mulherzinha, mulherzinha!".

Sheilla de Carvalho

QUEM É SHEILLA DE CARVALHO

Sheilla de Carvalho, filha de uma família classe média, nasceu na cidade de Niterói, Rio de Janeiro,  em 30 de dezembro de 1969. Seu pai, o Dedé, era militar e sua mãe, a Dona Leda, dona de casa. Caçula de oito irmãos, cresceu na cidade de São Gonçalo, onde passou a maior parte da infância e adolescência. Adulta, voltou para morar em Niterói, de onde saiu poucos anos depois, fugindo da violência urbana que tomou conta da cidade e veio morar em Maricá. 

Cursou o ensino médio em formação de professores no Colégio de Aplicação Dom Hélder Câmara e aos 15 anos começou sua jornada no magistério como professora de um Centro de Acompanhamento à Menores de Rua, o CAMER. 

Cristã (membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias), professora do Ensino Fundamental, massoterapeuta, cabeleireira, maquiadora, manicure, costureira, desenhista, pintora, professora de Ensino Religioso, Bacharel em Direito, funcionária pública, Técnica em Transações Imobiliárias, se aventurou na política e foi candidata à vereadora em Maricá. Uma variedade de profissões, reflexo de sua agitação interior, de sua busca constante pelo novo e pelo saber, esteja ele onde estiver.

Na infância adquiriu o gosto pela leitura, devorava os livros de histórias infantis que recebia de presente dos seus pais. Na adolescência, os livros de suspense e de romance recheavam sua mente e a levava pelo mundo do imaginário, foi quando começou a esboçar seus pequenos textos, seus poemas, as crônicas e reflexões sobre o viver. 

Se casou em 1990 pela primeira vez, teve dois filhos, enfrentou um divórcio. Seu filho mais velho faleceu aos 14 anos num acidente de bicicleta. Casou-se novamente em 2006 e teve mais dois filhos com Joaquim Carvalho. Seu marido enfrentou um câncer e faleceu em 2015, ficando então viúva. 

Mãe, mulher, profissional liberal, amante da vida, da dança e dos filhos, dedica atenção especial ao filho autista. Em breve, vai embarcar na jornada de avó. Sua netinha está a caminho, pois a filha mais velha, Julie Anne, está grávida. 

Vive intensamente cada dia de sua vida. Ame-a ou deixe-a.

Seja bem vinda ao CULTURARTE querida Sheilla!