Em 2020, a curitibana Rafaella de Bona Gonçalves concluiu o curso de Design de Produto pela Universidade Federal do Paraná. E saiu dele focada em tornar realidade o projeto que desenvolveu em um curso paralelo – de soluções de impacto social – e rendeu reconhecimento do júri do maior prêmio internacional de design para estudantes: um absorvente interno feito de fibra de banana para mulheres vulneráveis, que vivem nas ruas.
Ou seja, um produto descartável, porque essas mulheres não têm acesso a banheiros ou água limpa, e sustentável, feito de material orgânico para que não agrida o meio ambiente.
O projeto ganhou o nome de Maria – “um nome muito brasileiro, que acolheria todas essas mulheres invisíveis” – e surgiu a partir do trabalho de conclusão do curso livre, que exigia que os estudantes criassem produtos com base em um dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Rafaella não hesitou e escolheu o primeiro da lista: acabar com a pobreza. De que forma? Aliviando o sofrimento e desconforto de mulheres e garotas em situação de rua no período menstrual, que não têm acesso a produtos de higiene, banheiros e água.
Pobreza menstrual
Em suas pesquisas para o desenvolvimento do projeto, se deparou com um conceito que desconhecia e agora norteia seu trabalho: pobreza menstrual. Descobriu que, desde 2014, a ONU (Organização das Nações Unidas) reconhece que “o direito das mulheres à higiene menstrual é uma questão de saúde pública mundial e de direitos humanos”.
Se a sociedade ainda é cheia de tabus para falar e tratar de menstruação, imagine a situação de adolescentes e mulheres que vivem em extrema precariedade, sem acesso a produtos de higiene e água. “Além da pobreza menstrual, essas mulheres ainda enfrentam muitos outros problemas como gravidez e agressões sexuais“, enfatiza.
Rafaella, então, procurou entidades e organizações sociais, em Curitiba, para obter mais informações sobre a realidade das mulheres que vivem nas ruas, e como lidam com os dias de fluxo. Descobriu que, em geral, elas não usam calcinha, o que inviabiliza o uso de absorvente descartável, que é adesivado na calcinha. E como elas fazem para conter o sangue? Usam retalhos de tecidos e outros materiais, como plástico. “Foi um choque saber como elas passam pelo período menstrual”, revelou a estudante à revista TPM.
Formato inovador e material orgânico
A estudante ainda assistiu a um vídeo em que uma mulher mostra como transforma um absorvente descartável externo em interno, tirando o algodão. E também assistiu ao filme vencedor do Oscar de melhor documentário de curta-metragem, em 2019, Absorvendo o Tabu, da diretora Rayka Zehtabchi.
Ela conta a história de uma comunidade rural em Harpur, na Índia, que recebe uma máquina que produz absorventes biodegradáveis e transforma a vida das mulheres na região. Para escrever o roteiro, Rayka se inspirou em um dado estarrecedor: três milhões de indianas deixam de ir à escola quando estão menstruadas (assista ao trailler no final deste post).
A partir de todas essas informações e de conversas que teve com algumas mulheres que vivem nas ruas de Curitiba, Rafaella chegou ao protótipo final: um absorvente interno produzido em formato de rolo e destacável, como o papel higiênico.
Para produzir o rolo, ela procurou por materiais orgânicos porque o produto precisava ser descartável e não poderia causar danos ao meio ambiente. “Descobri uma empresa da Índia que fabrica absorventes com fibra de banana e resolvi usar esse material”, contou. E assim foi.
Em 2020, Rafaella terminou a faculdade e já está se aprofundando em suas pesquisas, além de fabricar o primeiro protótipo do Maria Absorvente Íntimo para poder distribuí-lo o mais rápido possível para as mulheres que moram nas ruas de sua cidade.
“Gosto muito dessa área de criação e acredito que a gente pode ir além do design de moda, da forma bonita, do estilo. Acredito, acima de tudo, que podemos resolver problemas da sociedade de uma forma sustentável”, contou.
Prêmio de design mundial
Em setembro de 2019, Rafaella foi reconhecida pelo júri do prêmio iF Design Talent Award pelo trabalho desenvolvido com o Projeto Maria.
Desenvolvido e oferecido pelo guia de design alemão iF World Design Guide, este é um dos mais importantes prêmios para estudantes dessa área do mundo, que elege as soluções mais criativas e inovadoras com valores a partir de 50 mil euros (cerca de 279.319,70 reais).
Costuma receber dez mil inscrições por ano e, este ano, também aderiu aos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU para que os candidatos classifiquem os trabalhos inscrito.
Conheça abaixo o projeto de Rafaella.