Modelo relata uso de drogas e de laxantes entre modelos para perder peso.
Délleny Mourão foi mandada de volta para Fortaleza por estar 'gorda'.
Uma modelo de 20 anos, de Fortaleza, publicou um longo relato em uma rede social onde denuncia práticas abusivas no trabalho durante estada em São Paulo. O relato já teve mais de 60 mil curtidas. Descoberta por uma grande agência nacional de modelos, Délleny Mourão chegou a participar da São Paulo Fashion Week (SPFW), na capital paulista, mas depois foi dispensada por uma agência sob argumento de que estava gorda - a jovem diz que pesava, à época, menos de 50 kg.
No post intitulado “Desabafo: por que não quero mais ser modelo”, Délleny faz uma lista de práticas que diz ter testemunhado. "Vi meninas tomando laxante para emagrecer. Vi meninas com compulsão por comida. Vi meninas indo ao supermercado apenas para degustação pois era uma maneira de conseguir comer. Vi vômito no banheiro. Vi booker oferecendo Laxante (...). Eu vi tudo isso e muito mais durante apenas o período de 5 meses e meio”, diz a jovem.
“O ritmo realmente é um absurdo. Passamos horas sem suporte nenhum para fazer casting, prova de roupas etc. Além disso, existe uma grande pressão psicológica no meio que, em que um ambiente comum de trabalho, seria inaceitável"
Em entrevista ao G1, ela disse que as críticas feitas no post se referem tanto à agência da qual ela fez parte quanto ao mercado da moda em si. “No caso da agência, por falta de profissionalismo, e o mercado pelo fato de impor medidas irreais para as modelos”, diz.
Ela acredita que a maioria das meninas que tenta a carreira de modelo não sabe das imposições do mercado nem como funciona e muito menos como é o trabalho. “O ritmo realmente é um absurdo. Passamos horas sem suporte nenhum para fazer casting, prova de roupas etc. Além disso, existe uma grande pressão psicológica no meio que, em um ambiente comum de trabalho, seria inaceitável”, relata.
Gorda
A modelo diz que passou a morar em São Paulo aos 19 anos. Após participar do SPFW e conquistar alguns trabalhos, ela foi 'considerada gorda' e passou a ser pressionada pela agência para retornar a Fortaleza, fazer regime e perder peso, condição para voltar ao trabalho. Nesta ocasião, a modelo já não tinha condições financeiras de pagar as despesas de estada na capital paulista, já que a agência não agendava mais trabalhos "por estar gorda".
“O diretor da agência (scouter/olheiro) me propôs passar um ou dois meses em casa para não acumular mais dívidas (pois não trabalhava em São Paulo e não conseguia pagar o aluguel). Então, aproveitaria e tentaria entrar nas medidas, e quando voltasse viajaria para Milão ou Los Angeles, conforme ele me disse. Então aceitei”, relata a modelo.
Ela conta que passou a fazer regime e exercícios físicos para conquistar o peso ideal. “Todos os dias me matava em exercícios e com uma alimentação pobre, fiquei doente, anêmica e, junto, veio um outro ângulo sobre o mundo da moda. Todos os dias me perguntava se esse sacrifício valia a pena.”, conta.
“Completei meus 20 anos em agosto e não consegui comemorar pois estava muito deprimida, sabia que essa idade era demais para a moda. Estava, além de gorda, 'velha' para eles". Foi aí que veio a surpresa. “E então como eu já sentia, recebi um e-mail avisando sobre o cancelamento e sobre um tal prazo vencido, algo que nunca me foi avisado. Fiquei quase dois meses sem sair de casa, estava muito deprimida. Era um sonho que foi embora sendo que eu nunca pude ter a oportunidade de apresentar”, lamenta no depoimento.
Délleny Mourão relata que sempre foi magra. “É possível ver claramente que eu era/sou uma pessoa bem magra. basta dar uma olhada para o espaço entre minhas pernas e nos meus ossos aparecendo. Pesava quase 50 quilos, porém tenho o quadril largo o que dificultava ainda mais. Sempre oscilava entre 89 e 91 de quadril, lembrando que modelos fashion (passarela/conceitual) devem ter 87 ou 88 de quadril”.
Segundo conta, no contrato firmado diz que se a modelo não cumprir com as medidas determinadas, a agência pode cancelar. “Mas será justo aplicar essa medida apenas para algumas modelos? Por que não aplicar para todas as meninas que também estavam fora das medidas, assim como eu? Garanto que não era apenas eu que estava fora de medidas”, relata.
A nutricionista Marília Pinheiro vê com preocupação essa 'indústria da magreza'. "Ser magra não significa saúde", alerta. No caso da Déllany, com 1,76 m e cerca de 50 quilos, ela já se encontra no estado de magreza excessiva e não tem por que perder mais peso e sim, engordar um pouco", diz. "Com 19 anos, ela está em idade de formação, no fim da adolescência, e o organismo tende a parar de funcionar se permanecer neste peso".
Queda o cabelo, escamação da pele, alterações no sistema nervoso (depressão, irritabilidade), no sistema imunológico (ficar doente à toa), debilidade física (fraqueza, falta de disposição), problemas intestinais (prisão de ventre ou diarreia) e até falta de menstruação são algumas das consequências da magreza extrema, explica a nutricionista.
"As meninas - mesmo as que não pretendem ser modelos - são muito cobradas pela família e pelo amigos para serem bonitas e estarem em forma física - o que significa ser muito magras, na visão delas. A busca do corpo irreal, idealizado pela indústria da moda deve acabar, as mulheres precisam buscar um corpo saudável, sem imposição de medidas", alerta.
"Hoje estou apenas preocupada com minha saude mental, então não quero e até não posso pensar nisso nesse momento"
Depois de quase dois meses, Déllany ainda não conseguiu recuperar o peso normal. Uma crise de ansiedade tem dificultado a recuperação da menina e, por enquanto, ela não sabe que carreira vai seguir. "Hoje estou apenas preocupada com minha saude mental, então não quero e até não posso pensar nisso nesse momento. Já estou bem melhor, ja estive pior".
Moradia
Sobre as condições de moradia, ela relata que não eram das melhores. “Meninas dormiam em um colchão no chão ou no sofá quando a casa estava cheia. Tinha apenas um fogão, onde só três bocas funcionavam (e mal). Um banheiro para 23 modelos. E é porque eu vim de uma periferia e sou de família humilde, já passei por vários perrengues e não sou de reclamar por besteira. Mas por um preço tão alto, tendo que ficar longe da família e amigos, não era algo fácil de aceitar”, diz.
“Sei que em toda área de trabalho terão inúmeras dificuldades e que no mundo competitivo em que vivemos nunca será fácil a disputa do mercado de trabalho, em nenhuma área. Mas para tudo tem que existir limite e criticidade. Aceitar tudo de braços cruzados ou fingir que nada disso aconteceu por medo de ser julgada não irá mudar em nada, nunca”, desabafa.
Por fim, a modelo dá um conselho para jovens que, como ela, sonhavam com as passarelas. “Cuidado com esses concursos descobridores de Gisele! Não entre. Não se misture. Não é de hoje que a moda é uma mentira. Onde poderosos estão apenas para lucrar, estão pouco se lixando se modelo X ou Y está passando fome para entrar na sua roupa. O importante para eles é o quanto de dinheiro cairá nas suas contas no fim do mês”.