O laudo da perícia sobre o caso do estupro coletivo ocorrido no Rio não apontou indícios de violência, informou o “Bom Dia Rio” nesta segunda-feira. Segundo o telejornal, isso ocorreu por causa da demora da vítima, uma jovem de 16 anos, em acionar a polícia e fazer o exame - o laudo foi feito quatro dias após o estupro. Além do corpo de delito, foi feita também uma perícia no vídeo divulgado nas redes sociais. O chefe de Polícia Civil, Fernando Veloso, falou sobre este último exame em entrevista ao “Fantástico”:
— Não há vestígios de sangue nenhum que se possa perceber pelas imagens que foram registradas. Eles (os peritos) já estão antecipando, alinhando algumas conclusões quanto ao emprego de violência, quanto à coleta de espermatozoides, quanto às práticas sexuais que possam ter sido praticadas com ela ou não. Então, o laudo vai trazer algumas respostas que, de certa forma, vão contrariar o senso comum que vem sendo formado por pessoas que sequer assistiram ao vídeo.
Troca de delegado
A delegada Cristiana Bento, titular da Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV), assumiu, neste domingo, a coordenação das investigações sobre o estupro coletivo sofrido pela adolescente de 16 anos, numa comunidade na Praça Seca, na Zona Oeste do Rio. A medida visa, segundo a Polícia Civil, a “evidenciar o caráter protetivo à menor vítima na condução da investigação, bem como afastar futuros questionamentos de parcialidade no trabalho”.
Ainda no domingo, a família da jovem dispensou a advogada Eloisa Samy Santiago. Segundo ela, a avó agradeceu o trabalho e disse que a garota vai para o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM).
Na madrugada do domingo, a então advogada havia pedido à Justiça o afastamento do delegado Alessandro Thiers, titular da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI), que investigava o caso, alegando que ele estava criminalizando a vítima. Segundo Eloisa, ele chegou a perguntar à menor, durante seu depoimento, se ela tinha o hábito de praticar sexo em grupo. A juíza de plantão, porém, alegou não ter tomado uma decisão imediata em relação a Thiers porque precisava, antes, ter acesso aos autos do inquérito, que já haviam sido requisitados pelo Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ).
Novos rumos
Em entrevista à Rede Globo, o chefe da Polícia Civil, Fernando Veloso, disse: “Em razão desse elevado desgaste que o delegado (Alessandro Thiers) está tendo, a gente vai avaliar se houve falta de habilidade dele na questão do trato com a vítima, ou não. Até para tentar preservar o delegado e garantir a imparcialidade da investigação”.
Agora, a delegada da DCAV está analisando as provas colhidas no inquérito policial, incluindo depoimentos e diligências feitas pela Polícia Civil, para decidir quais serão os próximos passos da investigação.
Nesta segunda-feira, o Ministério Público Federal (MPF) pedirá cópias do inquérito policial. O procurador Daniel Prazeres, do Grupo de Combate a Crimes Cibernéticos da Procuradoria do Rio, disse que a competência do caso é federal, por envolver a gravação e a distribuição de pornografia infantil por meio da internet:
— Vou pedir diretamente ao delegado. Entendo que a competência é federal em relação a uploads (envio do vídeo para a web). É entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, o Brasil assinou um tratado internacional para combater esse tipo de crime.
No vídeo que circula nas redes sociais, a jovem aparece nua, desacordada e sangrando após um estupro. Nas imagens, dois homens exibem a adolescente. Além da gravação, há ao menos uma foto de um homem à frente do corpo nu da garota.
Saiba o que diz a lei sobre o crime
Segundo Luciana Boiteux, professora de Direito Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o “estupro é o oposto do sexo consentido”. Pelo Código Penal, artigo 213, é considerado crime “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena imposta varia de oito a 12 anos de prisão, no caso de a vítima ser menor de 18.
Pode haver ainda um agravante, disposto no artigo 217 A, parágrafo primeiro, que define o estupro de vulnerável (ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos): “Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”. O código indica pena de oito a 15 anos de detenção.
— Se ela está sob o efeito de álcool ou drogas, não é possível consentir. A lei equipara esse estado sob o efeito de substâncias que alteram a própria expressão da vítima ao estupro. Se ela estiver desacordada, também — disse Luciana.
Professor de Direito Penal da Universidade Cândido Mendes, Rafael Faria concorda.
— A partir do momento em que há negativa ou hipossuficiência da vítima em consentir, como quando ela diz que, dado certo momento, não se recorda do que ocorreu, não há um aceite para praticar conjunção carnal ou satisfazer a lascívia — disse ele, acrescentando que, mesmo consentido antes, o ato não pode continuar com a perda da consciência: — Se ela entra num estado em que não pode definir quem é o parceiro, começa o crime de estupro.