quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

'A ARMADILHA'

 A Armadilha

Caí em uma armadilha para esta encarnação, só pode.

Passei a infância tentando administrar a morte súbita do meu pai. A forma que encontrei para sobreviver foi simples: não atrapalhar, ficar quieta, ser boazinha.

Cresci — o que era inevitável — e segui me sentindo excluída. Mas na adolescência descobri um jeito de pertencer: comecei a encenar personagens alegres, bagunceiros, “descolados”. 

Deu certo.

A armadilha, no entanto, nunca deixou de existir. Até me permitiu acreditar, por um tempo, que estava tudo bem. Mas que nada.

Numa fuga impulsiva e desnecessária, engatei um namoro firme, casei cedo, tive três filhos.

E o que ficou da criança boazinha? E da adolescente bagunceira?

Responda quem souber.

Num salto de tempo, chego aos dias atuais. A menina calada insiste em voltar, enquanto a adolescente irreverente foi rebatizada de adulta problemática.

O marido de quem consegui me divorciar e manter distância por anos voltou à cena — como se a armadilha tivesse puxado as cordas de novo. Não enxergo libertação. Faz parte do enredo sádico planejado antes mesmo de eu nascer.

Entreguei a luta. Perdi por W.O.

Estou exausta.

Vejo-me sumir, pouco a pouco — junto com minhas coisas, que também diminuem, como se fossem apagando minha existência em vida.

Quer saber? Dói, mas já não me importo.

A armadilha da vida foi bem montada.

!!!!!!!!!!!!!!!!

Texto: Flávia Motta (artista plástica)
Imagens: arquivo CULTURARTE
Realização: PR PRODUÇÕES