A Armadilha
Caí em uma armadilha para esta encarnação, só pode.
Passei a infância tentando administrar a morte súbita do meu pai. A forma que encontrei para sobreviver foi simples: não atrapalhar, ficar quieta, ser boazinha.
Cresci — o que era inevitável — e segui me sentindo excluída. Mas na adolescência descobri um jeito de pertencer: comecei a encenar personagens alegres, bagunceiros, “descolados”.
Deu certo.
A armadilha, no entanto, nunca deixou de existir. Até me permitiu acreditar, por um tempo, que estava tudo bem. Mas que nada.
Numa fuga impulsiva e desnecessária, engatei um namoro firme, casei cedo, tive três filhos.
E o que ficou da criança boazinha? E da adolescente bagunceira?
Responda quem souber.
Num salto de tempo, chego aos dias atuais. A menina calada insiste em voltar, enquanto a adolescente irreverente foi rebatizada de adulta problemática.
O marido de quem consegui me divorciar e manter distância por anos voltou à cena — como se a armadilha tivesse puxado as cordas de novo. Não enxergo libertação. Faz parte do enredo sádico planejado antes mesmo de eu nascer.
Entreguei a luta. Perdi por W.O.
Estou exausta.
Vejo-me sumir, pouco a pouco — junto com minhas coisas, que também diminuem, como se fossem apagando minha existência em vida.
Quer saber? Dói, mas já não me importo.
A armadilha da vida foi bem montada.
!!!!!!!!!!!!!!!!
Imagens: arquivo CULTURARTE
Realização: PR PRODUÇÕES














