quinta-feira, 9 de junho de 2016

SÓ DE OLHAR, ENGORDA

A ciência mostra que as imagens de comidas lindas e calóricas nas redes sociais nos fazem procurar mais açúcar e gordura. O resultado: mais quilos.


A maioria das pessoas usam redes sociais para postarem fotos e comentários do seu dia a dia. Mas quando nos deparamos com usuários que colocam um festival de closes de muito queijo, chocolates, lasanhas, bolos, tortas e calorias explicitas.
Essas pessoas são verdadeiras entusiastas do FOOD PORN, uma expressão da língua inglesa que traduz, com humor, o prazer quase sexual suscitado por imagens com overdose de gostosura alimentícia. Para o êxtase de seus seguidores no também no Instagram (a rede social de fotos e vídeos), pessoas exibem também hambugueres suculentos, pizzas com queijo borbulhante, bolos recheados com gotas de chocolate que derretem na tela.
Mas ai vem uma triste constatação: quanto mais calórica a comida fotografada, mais curtidas a imagem recebe.


Mas atenção: a comilança desenfreada com os olhos no mundo digital vira quilos na cintura bem reais. A ciência explica.
Fotografar e compartilhar fotos de comida – numa espécie de competição de quem descobre o prato mais despudoradamente gostoso – já virou uma mania. Se você procurar pela expressão FOOD PORN, terá ideia da popularidade desse tipo de conteúdo e se deliciará com a paisagem. São 71 milhões de publicações só no Instagram, um mar de calorias para se lambuzar virtualmente. A graça é compartilhar com os amigos para não passar vontade sozinho. E aprender a receita, além de tentar encontrar o restaurante que possa ter algo parecido e liquidar a vontade. Ai jaz o problema.
Quem é que se contenta só em olhar?



Como manter a forma – e os bons resultados dos exames de colesterol e glicemia – se cruzamos o dia inteiro com esse tipo de imagem nas redes sociais? A ciência começa a comprovar algo que a balança já denunciava: as redes sociais vêm mudando nossos hábitos alimentares para pior. “O aumento da exposição a imagens de comidas deliciosas está acabando com nosso autocontrole” afirma o psicólogo britânico Charles Spence, professor da Universidade de Oxford. Ele estuda como a visão e outros sentidos afetam a forma de o cérebro lidar com comida – o nosso conhecido “olho maior do que a barriga”. Ele trabalha em conjunto com o chef Heston Blumenthal, dono do restaurante THE FAT DUCK (O Pato Gordo, em inglês), na cidade inglesa de Bray, um dos melhores do mundo. São três estrelas, a honraria máxima, no Michelin, o conceituado guia de alta gastronomia. Spence e Blumenthal desenvolvem combinações sensoriais para potencializar sabores, como ouvir sons agudos para aumentar a doçura do prato e graves para realçar o amargor.
A conclusão de Spencer sobre a influência das imagens apetitosas         não é palatável para quem se delicia com a pornografia gastronômica. Quer dizer, que nem olhar mais pode? Não se revolte com o pesquisador. Ele é apenas o mensageiro.
Justiça seja feita, as telas do celular, do tablet e do computador não são as únicas culpadas por infiltrar tentações calóricas em nossas mentes. Em boa parte dos reality shows de culinária, competidores se digladiam usando como armas generosas porções de gordura e açúcar, grandes responsáveis pelas calorias extras consumidas por nós. Somados a overdose de imagens nas redes sociais, o potencial de estrago para qualquer dieta é enorme.


Um estudo publicado neste ano pela Universidade de Vermont, nos Estado Unidos, mostrou que pessoas que colocavam em prática as receitas vistas nas redes sociais ou em programas de culinária eram mais gordinhas. “Aqueles que relataram assistir a programas de culinária e cozinhar com frequência pesavam 5,2 quilos a mais do que aqueles que assistiam mas não cozinhavam”, diz a psicóloga Lizzy Pope, autora do estudo. Um levantamento feito pelo médico britânico Simon Howard dá pistas do porque dos quilos extras. As receitas dos chefs de TV, analisadas por Howard, eram mais calóricas do que refeições prontas vendidas em supermercados.
Outro estudo sugere que o efeito não incide apenas sobre quem põe a mão na massa literalmente. Só assistir a programas de culinária já é o suficiente para despertar o formigão que há em você. Entre 80 voluntários de um estudo das Faculdades Hobart e Willian Smith, no Estado de Nova York, aqueles que assistiram a programas de culinária em vez de documentários sobre a vida selvagem acabavam escolhendo alimentos mais calóricos para petiscar. Os pesquisadores deixaram à mostra, de maneira convidativa doces cobertos com chocolate, salgadinhos sabor queijo e cenourinhas, log abaixo. Os preferidos de quem assistiu aos programas de culinária foram os doces, algo que não aconteceu com os espectadores do documentário.


Como não há justiça neste mundo, os gordinhos são os mais sensíveis às imagens de comida. A compilação de vários estudos de ressonância magnética funcional, que flagra o cérebro em funcionamento, revelou que nos obesos há maior ativação de áreas cerebrais ligadas ao sistema de recompensa como a insulina, e a regiões que controlam a tomada de decisões, como o córtex orbitofrontal. A análise, publicada por cientistas australianos no ano passado, mostrou que o cérebro dos obesos era ativado pelas imagens de comida mesmo quando eles estavam com fome.
A estudante recifense Geovana Carvalho, de 19 anos, é vitima dos encantos das imagens de comida. Vítima? Ela diz adorar partir para cima das delícias que a tentam. “Acabo comento mais porque sigo um monte de perfis com fotos de comida. Só sossego quando como algo parecido com o que vi”, diz. A estudante contribui para a corrente de delícias e também divulgar sua própria produção pornô-gastronômica. “Uma amiga já me bloqueou por que estava de regime e disse que minhas postagens estavam sabotando a dieta dela.” Unidos pela irmandade do chocolate, as duas já recuperaram a amizade virtual e, na vida real, voltaram a fazer juntas “gordices”, como define Geovana. “Por que nunca é uma foto de salada que chama a atenção? Sempre tem que ser aquele bolo com cobertura extraordinária escorrendo, um cachorro quente com salsicha gigante, um churros com recheio extra!”, diz Geovana, numa resignação cheia de satisfação.



Spence – o pesquisador do começo da reportagem, que enfrenta a vida dura de trabalhar  junto com um chef estrelado – tem a resposta: “Nosso cérebro parece programado para prestar atenção a comidas ricas em gordura”, afirma. Acredita-se que seja um mecanismo evolutivo. Nosso cérebro tem facilidade para detectar fontes de energia mais calóricas. É uma estratégia para aumentar as chances de sobrevivência. Um experimento de Spence mostrou que voluntários eram muito mais rápidos para enxergar um ponto numa tela quando ele aparecia onde antes estava a imagem de uma comida calórica, Está aí todo um novo significado para a expressão “olho gordo”.
Quem quiser acreditar que admirar imagens de comida é uma tática para se saciar e comer menos, pode se agarrar a uma pesquisa que chegou a essa conclusão. Um estudo da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, mostrou que ver 60 fotos de alimentos associados a um gosto específico (salgado, por exemplo), diminui a vontade de comer ingredientes similares durante a refeição. A psicóloga brasileira Ana Lúcia Ivatiuk, que estuda a influência que as imagens de comida exercem sobre o apetite, diz que a estratégia dificilmente surte efeito numa dieta. “Depende de quanto tempo a pessoa está sem comer aquele alimento”, afirma Ana Lucia. “Se o período de privação for muito grande, ver essas imagens pode só aumentar a vontade.” O produtor e jornalista Pery Salgado que nunca postou fotos de pratos calóricos deixa a dica: “Perdi quase 50 quilos. Reduzi a quantidade, mas compensei na qualidade, nada melhor do que uma grande reeducação alimentar. Realmente comia com os olhos e rápido, por isso o cérebro nunca processava a comida como devia e realmente, não me iludo com lindas fotos e programas gastronômicos, afinal, comer só com os olhos não tem a menor graça”, conclui o produtor.