Fé, tradição e ancestralidade: Iemanjá é reverenciada com presentes e agradecimentos nos 100 anos da festa em Salvador
O cheiro do mar se confunde com o da alfazema, na praia do Rio Vermelho, em Salvador. É 2 de fevereiro, dia de Iemanjá. Após dois anos de festa suspensa por causa da pandemia, os bons filhos à casa tornaram.
Yemoja, Janaína, Mãe d’Água, Dandalunda, Rainha do Mar. São muitos os nomes para celebrar a mãe de todos os orixás: os paridos, como Oxóssi, e os acolhidos, como Xangô. A festa de celebração a quem traz fartura, prosperidade e serenidade chega aos 100 anos. Tradição que chegou com os escravos vindos na Nigéria. Na década de 70 do século passado, passou a ser chamada oficialmente de Festa de iemanjá.
Para saudar a protagonista, a alvorada dos pescadores ainda na madruga anunciou o início dos festejos. O ritual de todos os anos — mesmo quando em suspensão do festejo popular por causa pandemia — segue a tradição de agradecimento pela fartura que vem da água salgada.
Aí então estão abertas “as portas do mar”, para quem vai oferecer presentes a Iemanjá. Pelas práticas das matrizes africanas, se ele afundar é porque foi aceito por ela. Caso contrário, quer dizer que a dona do mar rejeitou a oferenda.
A tradição do pedido de bênçãos vem junto com outra velha conhecida: a fila dos devotos para depositar as ofertas na Colônia de Pescadores. É de lá que a maioria dos presentes, entre eles muitas flores, descem para o mar.
Há também quem prefira levar as oferendas por conta própria, para fazer sua reza para o orixá com mais intimidade. Aí então se segue outro conhecido ritual de renovação da fé: descer a escadaria, pisar na areia e chegar à beira da água. Os pescadores, como sempre, esperaram os devotos na praia para levá-los mar adentro.
As várias rodas de samba na areia da praia são o toque final da festa de Iemanjá é marcada principalmente pelas tradições coletivas. E foi para saber dos desejos e agradecimentos das pessoas, que colocamos o pé na areia e perguntamos aos devotos: o que te trouxe à festa da Rainha do Mar?
Bernardo Teles, 48 anos — baiano, pescador há 23:
“A gente desce para agradecer a Iemanjá, porque a gente vai para o mar, pega o nosso peixe, que é o nosso sustento de cada dia, pelas bênçãos dela. Aí só temos a agradecer mesmo. Essa é uma festa muito bonita, e a cada ano que passa está sendo melhor ainda. Nos últimos dois anos foi muito triste, por causa da pandemia, mas agora que voltou eu espero que agora em diante não tenha mais negócio de pandemia, e que tenha a festa todo ano”.
Vera Lúcia, 58 anos — baiana, filha de Iemanjá:
“É uma tradição familiar. A gente sempre vem, todos os anos. Iemanjá é a dona da minha cabeça, Iemanjá é luz, prosperidade, paz, harmonia e o que a gente vem buscar aqui é justamente isso. É a paz, harmonia, é a prosperidade, é o crescimento pessoal, como pessoa mesmo, como ser humano, para gente ser melhor para o outro a cada dia, para a gente amar mais, para a gente receber essa energia. E essa energia flui. A gente sempre pede coisas boas para a gente é para o outro, para o próximo”.
Bárbara Santos, 59 anos — baiana que mora na Itália:
“O que me trouxe aqui hoje foi a minha fé e meu sonho. Eu sou baiana, mas há muitos anos eu moro fora do brasil, moro na Itália. Sempre foi meu sonho trazer um balaio como homenagem. Pedir paz para a minha família, para o mundo, para todas as pessoas, porque precisamos muito. De paz, de amor e de luz”.
Neuza Sbardelotto, 63 anos — turista de Santa Catarina:
“O que me trouxe aqui foi um desejo muito grande de conhecer a festa, eu tinha bastante curiosidade em participar e está bem linda mais do que eu esperava. Fiz agradecimentos, peguei um barco e joguei flores no mar para pedir prosperidade, saúde, que é nosso maior agradecimento”.